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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Na boca do jacaré

Experimento colocar um conto aqui.

Está enorme. Eu não tenho paciência de ler no computador. Porém, talvez alguém tenha. É para esta pessoa que arrisco fazer o post.

Quero muito ver o que acham.

Lá vai
Na boca do Jacaré

Semana passada eu briguei com a minha esposa. Ela implicou comigo só porque cheguei em casa sem a aliança no dedo. Eu tinha tirado porque precisei colocar a mão em uma maquina que tinha emperrado lá onde trabalho. Daí esqueci pôr de volta. Somos recém-casados e ainda estamos aprendendo como funciona tudo isto. Bem, aprendi que quando se é casado não se tira a aliança para nada!
Teria sido uma briga boba em qualquer outra circunstancia. Mas estamos mais estressados que o normal nesses dias. É esta fase de adaptação que está nos afetando. Chamo ela de reféns–casados. Tivemos que nos mudar, alugar um apartamento ruinzinho, nos preocupar com contas e feiras, ainda falta comprar o móvel da TV, e o dinheiro? Vai dar para passar o mês? Então paga a prazo. Essas coisas.
Terminou que o clima ficou estranho entre nós. Meio que: “Estou quase me arrependendo de ter casado”. Eu sei que é só uma fase, temos que aprender a nos segurar até que ela passe. Não podemos deixar o casamento se acabar na primeira dificuldade. Acredito que ao longo dos anos muitas outras virão.
Então, para fazer um reconciliação legal puxei meu lado romântico, coisa que sempre derrubou todas as defesas de Nathalia. Como eu fiquei com as duas alianças, (Nathalia jogou a dela em mim, dizendo que se eu não uso ela também não) resolvi fazer uma surpresa. Mandei polir e cravar nossos nomes lado a lado. Queríamos ter feito isto desde o casamento, mas não tínhamos dinheiro. Hoje, vivendo por conta própria, temos menos ainda! É justamente aí que fica o segredo da surpresa.
Saí em silêncio e fui buscar as alianças no joalheiro. Ficaram lindas! Pronto, era só chegar em casa a tempo, preparar a cestinha com chocolates e esperar que ela acorde. Caminhando rápido pela calçada eu estava tão hipnotizado pelas alianças na palma da minha mão que terminei tropeçando. Os dois pequenos anéis voaram e, de forma inacreditável, caíram na boca de um jacaré que estava tomando banho de Sol.
Muito bem, que azar foi este?! Não dava para elas terem caído em um buraco, ou rolado pela rua? Tinha que ser na boca de um jacaré! Que por sinal parecia estar só esperando que eu viesse alimentá-lo com ouro. Justo um jacaré! Podia até ser um animal, mas que pelo menos não fosse tão perigoso, como um pingüim. Se as alianças tivessem caído numa boca de lobo, eu até me arriscaria pegar. Boca de lobo que eu digo é o buraco na rua! Deus me livre encontrar um lobo cara a cara!
O jacaré não se moveu. Eu sei que este animal fica parado como uma estátua quando toma banho de Sol. Já vi isto no zoológico. As jóias ainda estavam visíveis, brilhantes sobre a língua do réptil (pelo menos gastar aquele dinheiro polindo valeu a pena). Talvez desse para eu dar um bote certeiro e recuperar meus objetos. O jacaré parecia empalhado de tão imóvel. Mas eu não tenho certeza sobre como é reação quando tocam nele. Tive medo de que “ficar parado” seja uma armadilha para vacilões que metem a mão em sua boca.
O jacaré não deve ser um bicho muito veloz. Talvez eu conseguisse pegar as alianças antes dele dar a mordida. Foi aí que vieram à minha mente imagens de documentários da Discovery Channel onde zebras eram surpreendidas por enormes crocodilos e arrastadas para dentro do rio. Eram crocodilos ou jacarés? E qual é a diferença mesmo? Acho que crocodilos são maiores. Mesmo assim, tanto faz se é um crocodilo ou um jacaré, não quero meter a mão na boca de nenhum dos dois!
Não estamos num rio. Isto deve prejudicar e muito o ataque desse bicho. Eu devo estar em vantagem! Ou talvez não, afinal, sua locomoção realmente deve ser bem mais lenta, mas acho que a velocidade de sua mordida continua a mesma. Hum..... o que eu faço?
Posso terminar perdendo a mão. Será que estes anéis valem tanto a pena? São só objetos, bens materiais que eu posso comprar de novo (quando tiver dinheiro). Já minha mão não! Ela também é um bem material, eu sei, mas não se vê uma dessas vendendo por aí. E perder a mão é o de menos! Eu posso ter uma hemorragia e morrer de tanto sangrar! É, melhor deixar para lá. É aquela história: vão se os anéis, ficam os dedos.
Só não sei o que dizer quando chegar em casa. Duvido que Nathalia acredite que um jacaré engoliu nossas alianças. Posso tentar inventar outra história, acontece que sou péssimo em contar mentiras. Nathalia logo vai perceber que eu estou enrolando e aí vai ser pior ainda! Ai, ai, que situação! Se correr o bicho pega se ficar o bicho come.
Que tolice esta mania de dar um valor emocional para as coisas! Nosso amor sempre foi forte, independente de estarmos com uma porcaria de um anel no dedo. Pra que esta invenção agora?! Este simbolismos pelo visto atrapalham mais do que ajudam! O problema é que agora é tarde. Eu mesmo entrei nessa onda, simbolicamente restaurando a aliança eu estaria restaurando o casamento. Na próxima vou ver se penso em algo sem ter que usar nenhum objeto. Lembro que vez por outra Nathalia revê as fotos da festa com muito carinho. Acho que se aquele álbum sumir, para ela vai ser como se o casamento também sumisse. De repente a festa e o vestido de noiva passariam a ser um sonho em vez de uma lembrança.
Caramba! Depois eu filosofo sobre isto! Agora não é hora de ficar tendo devaneios! Tem um jacaré na minha frente! Afinal, pego ou não pego as alianças? To falando como se eu fosse conseguir pegar. Então melhor dizendo, arrisco perder a mão pela aliança ou não? Epa, e de que vai adiantar ter um anel se eu não vou ter dedos? To pensando besteira de novo! Se eu chegar a perder a mão, então com certeza também perco os anéis. Enfim, vamos parar de enrolar e tomar uma decisão?
Levando em consideração toda a carga sentimental que nós dois colocamos nessas jóias, eu creio que tenho que me arriscar. Assim como o álbum “é” o dia em que nos unimos, as alianças “são” o nosso casamento. Então, posso colocar dessa forma: ou uma mão ou o casamento. Conheço amigos que me chamariam de otário, mas eu vou escolher o casamento. Bem, então vamos lá!...
NÃO CARAMBA! Não é o casamento que está ali dentro! São só obejtos! OBJETOS! Você é louco de arriscar nunca mais poder escrever, nunca mais jogar vôlei, nunca mais tocar violão, até nunca mais poder dar um tchau sequer!! Tudo isso só para pegar míseros anéis que podem ser encontrados na esquina?! Beleza que eles representam o casamento e assim todo o amor que há entre vocês. Massa, entendo isso. Mas é só uma representação! Aquilo ali não passa de mineral retorcido! Chegar em casa tenha uma boa conversa com tua mulher. Se brigar brigou, faça tudo para reconciliar. Aposto que por pior que seja ela não ira pedir para você cortar a mão fora.
Calma, calma consciência, calma. Tudo bem. Está tudo bem. Entendi o seu recado. Deixa eu só avaliar pela última vez antes de me decidir. Minha mão não simboliza nada mas é muito valiosa; isto é só um mineral mas simboliza algo valioso. Hum... Sei o que estes anéis significam para Nathalia. Pode ser burrice dar este tipo de valor a estas coisas, queria ver o que ela faria no meu lugar. O fato é que estas alianças são importantes para ela. Pois bem, meu dilema acaba aqui, seé importante para ela, então não há mais o que pensar. Vou pegar estas alianças!
Daí eu me abaixei bem devagar, como um gato. Suspendi a mão lentamente até ficar alguns centímetros dos dentões. Dei um tempinho de nada para ver se o animal teria alguma reação à minha mudança de posição. E sem aviso algum, ataquei! O medo fez minha mão ir até apenas tocar nos objetos, mas controlei o instinto de voltar o braço e fui em frente novamente (não queria ter que decidir enfiar ou não a mão de novo). Dessa vez fui com tudo. Agarrei as jóias e puxei para fora!
Caí sentado na calçada, chega respirei aliviado. Eu estava suando, ofegante, minha adrenalina devia estar a mil! A mão tremendo um pouco, estava branca por conta da força com que eu estava segurando as alianças. Devagar e com muitíssimo cuidado, fui abrindo os dedos. Elas realmente estavam ali! Lindas, intactas, brilhantes. Consegui sair dessa! Abri um sorriso vitorioso, cansado, aliviado. E com certa vergonha de ficar parecendo um louco rindo na calçada.
O jacaré não moveu nem meio centímetro. Suas mandíbulas continuavam abertas como sempre estiveram. Talvez tenha sido exagero todo este drama. Também, não estou acostumado a encontrar um bicho assim! Eu devia ter assistido mais Caçador de Crocodilos. Mas isto aqui é um jacaré. Qual a diferença mesmo? AH, chegar em casa juro que eu procuro na internet! Mas só depois de fazer a surpresa para Nathalia e reconciliar nosso casamento, e dizer que a amo, e cair na cama com ela ainda de camisola, e comemorar que a vida é linda e que eu tenho duas mãos.
Vida de casado é difícil. A gente pensa que pode prever os problemas que estão por vir, aí acontece de aparecer um absurdo desses. A vida realmente não vem com manual. Ê destino louco!
De pé encarei o jacaré. Meu adversário. Fiquei em dúvida se ele estava vivo. Se era só um brinquedo, ou estava empalhado. Tava tão quieto. Foi aí que ele mexeu o corpo inteiro e mudou de posição. Eu perdi toda a intimidade que tinha com ele e pulei para trás! Percebi que não sabia nada. Todo o meu confronto tinha sido só com o jacaré parado, congelado praticamente. Ele se movendo era um nível completamente diferente. Ainda bem que eu já estava com as alianças na mão e já podia ir embora.
Guardei muito bem guardado os meus tesourinhos e me pus a caminhar. Espero nunca mais encontrar o jacaré. Aposto que ele não vai me dar outra colher de chá e ficar paradão. Mas ele também que se cuide, daqui para um possível próximo encontro eu vou ter superado outras dificuldades e estarei bem mais preparado. Preparado não para adivinhar o que irá acontecer, mas justamente para improvisar em situações como esta.

Lucas Mariz 09/08/2010

Um comentário:

  1. Eu li e viajei muito, hahaha.
    Achei filosófica a questão do jacaré, ou seria crocodilo?

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